terça-feira, agosto 14, 2012

Eu tenho uma frase que explica parte (ou muito) da minha relação com meu trabalho, minha carreira: "Eu me tornei médica depois de me tornar psiquiatra".
Já ouvi de muitos colegas o relato de terem entrado na faculdade de medicina já pensando em determinada especialidade. Alguns mudaram, outros não. Mas o engraçado da minha frase é que eu não entrei na faculdade pensando em ser psiquiatra. Nem tinha pensado antes em ser psicóloga, o que poderia ter alguma relação. Nem bem médica eu me imaginava muito. Na verdade, aos 16 para 17 anos eu queria estudar, ser universitária, ampliar meus horizontes de conhecimento, tanto intelectual quanto social. No terceiro ano do segundo grau a minha escolha para o vestibular foi entre medicina e história. Eu já tinha pensado em biologia (por causa de uma comédia romântica chamada Poção do Amor n.9, filme pouco conhecido com a Sandra Bullock, e por um desejo de infância ser pesquisadora, "cientista") e em jornalismo (por causa de tantos filmes e para escrever), mas descartei a primeira opção por orientação dos pais (para fazer algo na área de saúde faça logo medicina) e a segunda por não me achar com o talento necessário. No final, entre medicina e história eu simplesmente tentei o mais difícil primeiro. Passei e no meio do primeiro ano de medicina cogitei um novo vestibular, para história, mas não tive coragem de quebrar a inércia de já estar na universidade. No último ano de faculdade eu tinha planos de estudar cinema, após me formar e poder trabalhar. Como diz uma outra frase feita, "no meio do caminho tinha a psiquiatria", e eu me apaixonei pela possibilidade de ouvir histórias, sendo médica. A medicina pode e deve ser uma arte de ouvir e decifrar histórias (do corpo, da mente, de doenças, de saúde, de vida e de morte), mas hoje ela muitas vezes parece ser só uma técnica de juntar sinais e sintomas para logo definir um diagnóstico e uma conduta. A possibilidade de poder de fato ouvir histórias, na especialidade psiquiátrica, para assim definir, decifrar, diagnosticar, medicar, me ganhou para a medicina. Enfim, eu só fui entender o que estava fazendo no último ano. E acho que foi bom assim.
Depois disso, tudo pareceu relativamente fácil e feliz. Eu tive outros encontros, com a psicanálise, com o desafio de escutar histórias de pacientes, de pessoas, que eram de um sofrimento tão grande que me capturavam. Mas eram histórias que essas pessoas queriam contar e eu estava descobrindo como ouvir.
O maior desafio, aquele que parece ainda não ter sido superado por mim, veio depois da residência. Como lidar com a história que não é contada? Como ouvir o que não é dito? O que é ação pura, sem sentido? Como lidar com o suicídio de um paciente? Ou de qualquer pessoa próxima o bastante para que procuremos desesperadamente um sentido, um significante, para "o que não tem sentido nem nunca terá"?
Na história daquele que comete o ato parece não haver significante que dê conta. É a irrupção do real psicanalítico, lacaniano. Para quem ouve, eu, fica o incômodo, a inquietação do que fazer com isso. Saber que ouvir histórias pode ser ouvir aquelas que não têm significantes que dão conta, para as quais não há relação que faça laço Simbólico e Imaginário para dar conta do Real. Ter coragem para sustentar esse lugar, para simplesmente fazer o que posso e quero fazer. Coragem para sustentar o desejo...


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