domingo, maio 13, 2018

Das possibilidades de vida

Há um ano eu passei o dia das mães não no tradicional almoço da família (que junta esse dia e o aniversário do meu irmão que sempre cai próximo, por ser dia 11/05) mas viajando para São João Del Rei, para ministrar um curso e participar do Seminário Caminhos Junguianos (pensando que havia alguma graça de uma analista que estuda Freud e Lacan e nada conhece de Jung ser convidada, por um professor amigo, para um seminário com esse nome, ainda que o meu mini-curso nada tivesse a ver especificamente com orientações analíticas) da UFSJ. Quase perdi o ônibus, pois não atentei que seria mais difícil conseguir táxi na hora do almoço tradicional (e comercial). Mas tive sorte e não perdi o ônibus. Só agora, um ano depois, percebo que tive sorte de não perder o ônibus. De outra feita já havia perdido ônibus para a mesma São João Del Rei, para o mesmo curso e fiz uma pequena peregrinação entre cidades mineiras para chegar a tempo. Penso agora que perdi o ônibus na viagem em que o então namorado iria me encontrar lá. Queria eu perder o ônibus para, já então, não encontrá-lo? E dessa vez não quis perder o ônibus, ou se quase quis, alguma outra coisa (sorte? desejo?) não me fez perder. E pude chegar para a viagem que marcaria o início do fim do luto. Um processo de luto iniciado muitos anos antes (luto patológico, diria o DSM 5, sem sombra de dúvida). Processo de luto e de elaboração da castração, da falta, de perceber que não preciso ser quem eu penso que sou, que posso só ser. E ser surpreendida, não me aferrando a culpas, obrigações, certezas, a abusos do super-eu/ideal do eu e do(s) outros(s). Ser surpreendida pelo olhar do outro, pela minha capacidade de retornar esse olhar, de sustentar meu desejo até onde possível na relação com o desejo do outro. Ser surpreendida em me reconhecer desejante e desejada. Me surpreender de me reconhecer hoje querendo surpresas, eu que achava ser uma pessoa afeita à rotina. Talvez permitir que outro esteja em mim, na vida, só possa ser possível se eu me permito surpresas, se eu desejo genuinamente conhecer um outro que não um espelho meu (não que o amor não tenha suas identificações e projeções, essa palavra que vim conhecer exatamente a partir dessa viagem...). Se eu reconheço a falta constitutiva, que eu não tenho como preencher, mas quem sabe um outro possa me dar algo novo que ajuda a preencher.
O outro que pode me dar algo enquanto me descubro também disposta a dar algo de mim, a abrir mão de mim pois não preciso mais ser quem eu pensava ser, posso ser alguém nova em novas relações. Se o que me constitui é a falta e são as relações que preenchem algo dessa falta, só me resta estar em relação, em transferências de amor (toda transferência é transferência de amor).
Comecei a escrever pelo aniversário de um ano da viagem que me surpreendeu (e que gerou uma segunda, solar, desejante, os dias mais felizes) e dei o nome de possibilidade de vida e nem estava claro que passava pela elaboração e fim do luto da castração. Demorou bastante esse processo, mas faz parte do meu sintoma, minha enrolação com o tempo (não à toa por muitos e muitos anos sempre cheguei atrasada na análise, não à toa quase perdi o ônibus), com o qual ando tentando me acertar. O tempo cronológico dessa viagem tem um ano. O tempo lógico me parece com o que canta a música sobre o coração (coração que marca o ritmo, o tempo do nosso corpo) "...não é tão simples quanto pensa, nele cabe o que não cabe na dispensa, cabe o meu amor, cabem três vidas inteiras, cabe uma penteadeira". Nesse tempo coube amor, vida, viagens, elaborações, coube tantas coisas que não podia imaginar enquanto estava sentada, jantando sozinha em frente à igreja (falta elaborar minha questão com igrejas...) matriz de São João Del Rei.