domingo, julho 01, 2018

"Amar é dar o que não se tem". Lacan, Seminário 8.
Escrevo sobre o amor, para quê? Na busca de amar, de dar algo algo que não tenho, de simplesmente querer dar para me fazer de amante também objeto amado(1), fico aqui escrevendo como que para elaborar restos de análise. Talvez esse blog hoje seja isso, espaço de elaboração de restos de análise.
Dar o que não tenho, é algo que a elaboração do sintoma obsessivo pode tornar possível. A emergência de algo novo em mim, de novas possibilidades de não precisar saber o que tenho a oferecer, de simplesmente me ofertar ao outro. Sem garantias do que ofereço e menos ainda de se o outro quer. Mas se o outro não quer, não quis, não há mais o que fazer, há? Salvo guardar uma fantasia do poderia ter sido e a memória do que foi por alguns dias. A fantasia de que a vida seja de fato Black Mirror e que, tal qual no episódio Hang the DJ (episódio 4x04), em algum momento o algoritmo reinicie e me prove correta em minha intuição de que havia mais que tesão naqueles encontros em duas cidades. Mas isso é a fantasia, ela é só minha sem qualquer evidência sustentada no princípio de realidade - leia-se, o homem amado nunca mais me procurou, donde se conclui no princípio de realidade que foi só tesão. E já valeu a pena assim sendo, não estou reclamando do que foi. Estou a reclamar que queria que fosse mais - e a fantasia, para Lacan, é o que vela o Real. O véu necessário para o sujeito barrado em sua relação com o objeto. Mas um processo de análise pode sustentar a travessia da fantasia (também traduzido como fantasma). Trata-se então de eu poder atravessar a fantasia para chegar em um novo lugar subjetivo? O lugar de poder me fazer amante e amada. Na brincadeira dos significantes penso agora em amadora e amada. Amadora que traz um lugar que não é o de saber garantido por diploma, conhecimento. E que tira o amante, esse significante com o qual eu já fiz sintoma edípico em triangulação amorosa. Dar o que não se tem me parece ser mesmo mais da ordem da amadora amada.
A elaboração continua. A busca de um homem que queira receber o que quero dar não tendo, também. 

1 - Fingermann, Dominique. Amar adentro. Stylus (Rio J.)  no.30 Rio de Janeiro jun. 2015. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-157X2015000100010 em: