quinta-feira, março 28, 2002

É o avesso da infância, em que as novidades são domesticadas para construir um mundo que será familiar. Na demência, esse mundo é progressivamente desfeito. O horror final é a perda da sensação de nossa continuidade: normalmente, apesar da variedade de nossos atos e de nossas emoções, acreditamos que somos sempre a mesma pessoa. Ora, um sujeito, no meio da noite, parado diante da geladeira, pergunta-se porque veio até ali; ele não se reconhece mais, aquele que acordou não é o mesmo que chegou à cozinha. A depressão acompanha quase sempre a perda de memória: o sujeito faz luto de si mesmo.

Contardo Calligaris, em sua coluna de hoje na Folha Ilustrada, sobre o mal de Alzheimer.

Segundo o pouco de Psicologia que aprendi na faculdade de Medicina, vertentes da psicologia, dentre elas a de Vigostky, explicam que construímos nossa personalidade a todo momento. Existe uma base da pessoa que somos, mas as variáveis são muitas e podem ser modificadas a cada momento, de acordo com a situação que vivenciamos. Somos atores que se adaptam ao que a cena que se desenrola a nossa frente exige. Não é uma questão de sermos volúveis, de não termos personalidade, mas sim de sabermos nos adequar ao meio, de manter a homeostase interna e externa. Entrar em equilíbrio, o que no fundo parece ser o que norteia tudo e todos no universo...

No nosso caso, seres humanos, esse equilíbrio psíquico necessita de ferramentas básicas para acontecer. Precisamos captar as informações do meio ambiente, processá-las e compará-las com as outras informções que temos para formar nosso juízo e assim decidirmos como agir. Essas informações guardadas, nossas memórias, são portanto cruciais para que sejamos as pessoas que somos. A partir do momento em que não podemos comparar informações, não sabemos que fomos, mal sabemos que somos e menos ainda sabemos quem devemos ser.

A sensação deve ser semelhante à angústia que sentimos diante de uma página em branco, quando a inspiração ainda não chegou: sabemos que devemos escrever algo, sabemos até que somos capazes disso, mas naquele momento não fazemos idéia de como fazê-lo...

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