sábado, março 16, 2002

Quem Morre?
Pablo Neruda


Morre lentamente
quem se transforma em escravo do hábito
repetindo todos os dias os mesmos trajetos
quem não muda de marca
não se arrisca a vestir uma cor nova
ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente
quem evita uma paixão
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os "is" a um redemoinho de emoções
justamente as que resgatam o brilho dos olhos
sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente
quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um [sonho
quem não se permite pelo menos uma vez na vida
fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente
quem não viaja
quem não lê
quem não ouve música
quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente
quem destrói o seu amor-próprio
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente
quem passa os dias queixando-se da sua má sorte
ou da chuva incessante.

Morre lentamente
quem abandona um projeto antes de iniciá-lo
não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves
recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito [maior que o simples fato de respirar.

Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade.


Borges achava que Neruda só era um bom poeta por causa da política, em função da conjuntura política na qual estava inserido (assim como todos sempre estamos) e sobre a qual escrevia. E talvez até pelo posicionamento que tomava. (Neruda era comunista, como o amigo Jorge Amado...)

"Creo que fue un gran poeta. Y creo algo con lo que ustedes quizás no están de acuerdo. Yo abomino del comunismo, pero pienso que el comunismo le hizo bien a Neruda. Si no hubiese sido un poeta político, habría sido un mal poeta". Borges sobre Neruda.

Eu (que sou apenas eu e não alguém como Jorge Luis Borges ou Pablo Neruda) gosto muitísimo das poesias de Neruda e vejo nelas algo de comum no estilo (de escrita e de ver, e entender, o mundo) com o de Drummond, poeta e cronista (e quem não sabe??) que também adoro. Ainda não li crítica, comentário ou resenha que fale da proximidade destes dois grandes poetas americanos (i.e. do continente americano) do século XX, será que só eu vejo essa semelhança??

De qualquer forma, importa menos o que eu penso e mais o que você ganha ao ler (e sentir) o poema acima. E ao ler qualquer poema de Neruda. Ou ao assistir o belíssimo O Carteiro e O Poeta, baseado em fatos reais, sobre o exílio de Neruda (como todo bom comunista na América ele passou período exilado do Chile) e, principalmente, sobre como a poesia está nas coisas mais simples da vida e como ela é capaz de tocar exatamente as pessoas (aparentemente) mais simples...

Um comentário:

Anônimo disse...

Sabe... teve uma pessoa em minha vida que nem lembro mais que me fez pegar asco de neruda sem nem mesmo eu conhece-lo, dai escrevi um texto indignado, pois achava-me afrontado, como se eu fosse um desqualificado por não ter lido neruda até aquele momento. Ho leio Neruda, amo-o, não só suas obras mas pelo seu contexto... cheguei a coloca-lo no mesmo saco que Caetano por ignorancia, mas hoje coloco-o no mesmo saco que Francisco Buarque De Holanda!

texto citado:
para: intelectuais de porta de bar, atores frustrados de teatro, comunistas de recreio,
Biólogos vislumbrados e todos que calçarem este numero...

Eu nunca li Neruda!
Não me subestime por isso
Posso! E quando quero passeio
Por seu intelecto, pelo que chama de trilha sabida
Tiro proveito até de martelo no dedo
Do nojo do cheiro podre alheio
Sou feliz por sentir receio
Não tenho medo de sentir medo
Até quando não dá prazer
Dá sentido aos sentidos que tenho
Você pensa que sou menos
Por não agüentar verdade tropical
Mas na verdade, que sei de verdade.
São de meus sentimentos, e meu lindo lado emocional.
Meus “sensores” sensacionais
Não simpatizam jamais
Com Caetano e nem semelhantes intelectuais
Não vou de encontro a referencia nacional
Mas comer Caetano, para mim não é natural.
Nem acredito que o dificultar, ajuda a arte.
Prefiro a mil, a simplicidade da intensidade de Chico Buarque.
Você me julga banal por não querer a bossa ao carnaval
Mas acontece faz samba quem sente, e não asno intelectual.
Não pense que sou anta, vendo meus olhos azuis.
Não diga que sou burro, lendo meus pobres versos crus.
Por que posso a sua biografia e tese discutir
E quando notar que te coloco no bolso, para onde vai fugir?